No Direito há um princípio segundo o qual os contratos (aqui entram a convenção e o regimento interno do condomínio) não podem contradizer a lei imediatamente superior. Isso quer dizer que a convenção de condomínio não pode entrar em conflito com o que diz a lei. Porém, em tudo o que a lei for omissa ou não regularizar os detalhes, a convenção vai conferir força aos combinados entre as partes.
Isso é muito importante! Porque, em casos de conflito, o juiz/árbitro analisará a convenção e fará cumpri-la.
Dada essa básica introdução, reforço a importância de uma convenção de condomínio bem escrita! Isso porque, quanto mais detalhada e focada na realidade do seu condomínio ela estiver, mais fácil será para resolver os conflitos que eventualmente surgirem. Adiciono aqui as resoluções extrajudiciais, as quais indico serem implementadas em seu condomínio para trazer mais rapidez e eficácia na resolução de conflitos.
POR QUE A CONVENÇÃO É TÃO IMPORTANTE?
É a Convenção de Condomínio que vai reger as relações de convivência entre os condôminos, determinar como será o uso das áreas comuns e particulares e até a conduta individual dos moradores! Ela realmente vai criar um “mini universo” dentro do condomínio. A convenção é um tipo de contrato que vai definir os direitos e deveres dos moradores. É um contrato misturado com norma.
As outras funções da convenção também é estabelecer a forma de pagamento das taxas de condomínio, escolher a forma de administração, o papel da assembleia, sanções e regimento interno. Também pode criar órgãos de “julgamento” de conflitos, de fiscalização e de representação do condomínio.
Por isso, é muito importante que o novo inquilino ou proprietário analise muito bem a convenção do condomínio antes de fechar negócio, pois a convenção vale tanto para os antigos como para os novos, devendo estes se adaptar para cumprir as normas já em vigência. Dessa forma, leia o documento, veja as restrições, analise os benefícios e só depois feche o negócio. Não entre com a ideia: “vou entrar e depois a gente vê como faz”, pois, se só você for contra alguma das restrições – ou se você fizer parte da minoria – provavelmente não irá conseguir mudar o que já foi determinado.
Dito isso, ressalte-se que o Código Civil traz apenas diretrizes (bem básicas) acerca do assunto da convenção, não definindo uma seção específica para o tema, mas apresentando o assunto em forma de “direitos e deveres”.
Então, a lei que rege a relação entre condôminos é o Código Civil (Lei 10406/02), do art. 1.314 a 1.358. A partir do art. 1.331 temos a parte de condomínio edilício (a parte que nos interessa aqui). Também acho interessante o estudo da lei 4.591/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Existem outros normativos que também utilizo nos meus estudos, mas considero essas duas leis fundamentais iniciarmos neste universo condominial.
QUEM CRIA A CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO?
É altamente aconselhável que um advogado especialista na área crie a convenção do seu condomínio. Não é hora de economizar! Procure um profissional altamente indicado. Pois a convenção não é um tipo de serviço recorrente. É um serviço que, se bem feito, vai durar por toda a vida do condomínio, não gerando mais gastos em sua elaboração.
Dessa forma, o advogado contratado fará uma “entrevista” com os condôminos ou marcará um atendimento coletivo no qual coletará informações importantes acerca da realidade do condomínio, assim como perceberá os pontos patrimoniais importantes e os possíveis pontos de conflito, que costumo chamar de “cláusulas sensíveis”.
Feito esse levantamento, o advogado especialista iniciará a elaboração da convenção com muita perícia e técnica em sua escrita, prevendo situações que geralmente os moradores não preveem e cuidando com as três esferas jurídicas do condomínio: relacional, trabalhista e com fornecedores.
Nas importantes palavras de Arnaldo Rizzardo*, a escrita da convenção dever ser delicadamente realizada à luz da realidade de cada condomínio em particular:
“Celebra-se por escrito a convenção, demandando extremo cuidado na elaboração, pois uma convenção defeituosa, incompleta ou carente de elementos pode ser uma enorme fonte de conflitos e de prejuízos para os condôminos. Em geral, vem apresentada uma minuta no ato de constituição do condomínio, normalmente elaborada por instrumento público, ficando a sua aprovação definitiva para momento posterior”.
Portanto, após a elaboração da minuta (esboço) da convenção, esta é apresentada ao condomínio e analisada em conjunto, com edições se for o caso.
Entregue ao condomínio, será marcada assembleia, e, após aprovação, vira lei no condomínio!
A CONVENÇÃO TRATA DO QUÊ?
Em conformidade com o art. 1332 do Código Civil e outros regulamentos, nas palavras de Rizzardo, são objeto da Convenção (pág. 100*):
- a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;
- a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;
- a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
- sua forma de administração;
- a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para as deliberações;
- as sanções a que estão sujeitos os condôminos ou possuidores;
- a definição da forma de utilização, limites e restrições quanto ao uso das vagas comuns para o estacionamento dos veículos;
- o regimento interno.
Veja que a primeira grande coisa a ser definida na convenção é o que é espaço comum e o que é privado, porque isso vai delimitar a atuação do síndico, tendo em vista que este responde pelas áreas comuns do condomínio. Reitero: as áreas particulares não entram na gestão do condomínio! Se houver algum problema dentro do espaço particular o síndico não deve se envolver. Não é dever dele.
Outra coisa importantíssima que a convenção precisa registrar com cuidado é o modo de rateio das despesas do condomínio. Essa prestação de contas mensal deve ser bem clara e de fácil acesso a todos os condôminos. Quanto mais fácil estiver a informação, mais credibilidade o síndico vai obter diante dos condôminos. Torne públicos e transparentes seus atos sempre!
Destaco ainda a questão das sanções: multas e advertências. Essa parte precisa estar muito bem resolvida para o síndico, para ele não ficar deprimido ao aplicar multas e para o condômino não se achar perseguido quando receber uma.
As sanções são coisas objetivas, não tem a ver com amizade ou desafetos no condomínio. Por isso, o síndico precisa ter uma gestão transparente e confiável, a ponto de zelar pela imparcialidade. A maneira como trata a transgressão de um é a mesma maneira que trata a transgressão de outro, se ambos incorrerem na mesma falta. Reforço: infringiu a regra, monte um pequeno dossiê de provas (que ficará à disposição do condômino infrator, nunca exposto ao público!) e aplique a sanção. Com a consciência leve.
Ainda, de acordo com o art. 9º, no parágrafo 3º, da lei 4.591/64, a Convenção trata também (pág. 101*):
- o modo de usar das coisas e serviços comuns;
- os encargos, formas e proteção das contribuições dos condôminos para as despesas de custeio e para as extraordinárias;
- o modo de escolher o síndico e o conselho consultivo;
- as atribuições do síndico, além das legais;
- a definição da natureza gratuita ou remunerada das funções do síndico;
- o modo e o prazo de convocação das assembleias dos condôminos;
- o quórum para os diversos tipos de votação;
- a forma de contribuição para a constituição do fundo de reserva;
- a forma e o quórum para as alterações de convenção;
- forma e quórum para aprovação do regimento interno.
Portanto, caberá aos condôminos aumentar ou diminuir o nível de especificidade da Convenção. Ela pode ser bem completa e exaustiva (o que recomendo), mas o síndico pode apresentar um “resumo” das situações mais frequentes e entregá-lo a cada condômino.
Por fim, a Convenção também serve para respaldar as respostas do síndico/administrador, por exemplo: “Bom dia, sr. João, seu pedido de uso da quadra de esportes nos dias 04 e 05 não poderá ser atendido porque não está de acordo com a finalidade reservada ao espaço, definida em Convenção, art. 6º, parágrafo 2º”.
O PROBLEMA DA CONVENÇÃO FEITA POR TERCEIROS
É comum a incorporadora/imobiliária/proprietário já terem um modelo de convenção. Então, eles a entregam aos condôminos e pedem para elegerem um síndico, para que este seja o “guardador” das normas, fazendo com que sejam cumpridas no condomínio.
No entanto, como já introduzi neste artigo, é importantíssimo que a Convenção seja elaborada por um advogado especialista e que este colete as informações diretamente na convivência real dos condôminos.
O problema dos “modelos prontos” é que não preveem casos que, de fato, podem acontecer naquele microcosmo do condomínio, causando prejuízos e conflitos que precisarão ser resolvidos de forma judicial ou extrajudicial.
Nesse sentido é o entendimento do STJ:
“No que concerne à suposta vulneração ao art. 9º da lei 4.591/64, aduz o recorrente a ocorrência de irregularidade na elaboração e aprovação da Convenção do Condomínio em apreço. A lei é clara ao estabelecer que a Convenção Condominial seja elaborada, por escrito, pelos proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas. In casu, a irregularidade apontada pelo recorrente estaria no fato da Convenção do Condomínio ter sido constituída apelas pela incorporadora. Todavia, extrai-se dos autos que, à época da sua constituição, a incorporadora do imóvel era única proprietária de todas as unidades. Logo, tal circunstância lhe permitiu a elaboração da Convenção condominial, bem como sua aprovação, nos termos legais. Assim, não vislumbro no caso a aludida violação à norma infraconstitucional”.
Portanto, a elaboração da minuta da Convenção é um investimento que vale a pena! Será esse documento que regerá a convivência dos condôminos, assim como a relação com funcionários e com fornecedores.
COMO A CONVENÇÃO É APROVADA
A Convenção será votada em assembleia dos condôminos, na qual será necessário, no mínimo, dois terços das frações ideais (unidas autônomas: cada proprietário/inquilino) para aprovação. Portanto, é necessário 60% dos votos para aprovação do documento. Depois de aprovada por esse quórum, passa a valer para todos! Mesmo para aqueles que não concordaram ou não votaram (art. 1.333 do Código Civil).
Portanto, é fundamental que, após apresentada a minuta, seja feita a deliberação e, depois, em assembleia em separado, a votação. A deliberação também poderá ser feita por assembleia ou outra forma virtual. A ideia é que sejam discutidos os pontos da Convenção para depois votá-la. Não é aconselhável que se faça deliberação e votação na mesma assembleia, pois a deliberação demanda tempo e talvez, até, mais de uma reunião para fechar todos os assuntos.
Importante ressaltar que, enquanto não for aprovada, fica valendo a minuta da Convenção até aprovação pelo quórum de 2/3. Mesmo que essa minuta tenha sido feita por terceiros (incorporadora, por exemplo).
Reforço: a votação precisa ser feita em assembleia e registrada em ata. Não basta colheita de assinatura dos condôminos. Precisa haver um ato solene, formal e registrado em ata (mesmo que por meio de videoconferência).
COMO ALTERAR A CONVENÇÃO
Como dito aqui, o ideal é que a Convenção seja muito bem redigida, por advogado especialista, para que seja modificada o mínimo possível. Aliás, se realmente for bem feita, o síndico pode até se programar para, a cada 2 anos, por exemplo, atualizar pontos específicos que entenda ser necessários, e não rediscuti-la por inteiro.
Para alterar o documento será necessário novamente o quórum de 2/3 das frações ideais. Se for difícil colher as assinaturas em assembleia, existem outras possibilidades, mas esse assunto será tema de outras publicações.
Referência: RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 6.ed.Rio de Janeiro: Forense, 2018.